O trágico fim de Americano do Brasil

Desenho ilustrativo do médico Antônio Americano do Brasil (Foto: ReproduçãO)

A rua Americano do Brasil é uma das mais antigas de Catalão. Começa na área central da cidade e percorre boa parte do bairro São Francisco. A sua abertura se deu no final da década de 1930, na gestão de Públio de Souza que, por sinal, havia sido amigo do homenageado.

Americano do Brasil foi um dos mais brilhantes e ilustres intelectuais de Goiás. Escritor de renome, publicou a famosa Súmula da História de Goiás, que se converteu em um livro clássico de pesquisas acadêmicas. Poucos sabem, no entanto, que ele era um médico conceituado e que foi barbaramente assassinado, na porta do seu consultório, aos 39 anos de idade.

A sua morte ocorreu em Santa Luzia, atual Luziânia, em 1932, resultante de fuxicos, casos amorosos, intrigas e comentários desleais. Seria uma comédia, se não tivesse um final trágico. Na verdade, um caso banal que tomou dimensões assustadoras.

Antonio Americano do Brasil de Abreu nasceu em Bonfim, atual Silvânia, em 1892, filho de um professor e fundador do Colégio Bonfinense. Seus pais, Antonio Euzébio de Abreu e Elisa de Abreu, lhe deram esse pomposo nome, na certa, influenciados pelo forte movimento nacionalista no início do período republicano. E, deu certo. O menino cresceu entre livros e foi para o Rio de Janeiro onde se formou em medicina aos 25 anos de idade. Casou-se com Mirtes Caiado de Castro, de tradicional família goiana, ainda no Rio de Janeiro, mas logo o casal se distanciou e aconteceu a separação.

Em Goiás, Americano do Brasil foi secretário do governo estadual e deputado federal. Em 1925, como médico do corpo militar, foi transferido para Santa Luzia onde morou até o fatídico assassinato. Ao mesmo tempo em que clinicava, fundou um jornal na região, abriu uma escola onde se tornou professor e ajudou a levantar a pedra fundamental de uma nova capital para o país no planalto central.

Com base no inquérito policial que investigou sua morte, o caso foi surpreendente, recheado de boatos e casos amorosos em que a vítima ficou inocentada de culpa.

Existia, em Santa Luzia, uma pensão tradicional, pertencente à Dona Rita Flores, que tinha como garçonete, uma menina de 14 anos, Castorina de Lima, que atendia pelo apelido de Cajú. Certo dia, em abril de 1932, Cajú pediu à cozinheira Geralda para avisar seu namorado, um pedreiro da cidade, que não iria mais se relacionar com ele, pois fora desvirginada por um cliente da pensão, Aldovandro Gonçalves, um agrônomo de 26 anos de idade. Segundo se apurou, a intenção da menina não era denunciar, apenas ficar livre do compromisso de namoro com o pedreiro. No entanto, a empregada Geralda espalhou a notícia do estupro pela cidade e o caso virou uma fonte inesgotável de mexericos.

Santa Luzia era uma cidade violenta e casos de estupro eram indicativos de sérias intrigas. Em 1930, por exemplo, uma menina de nove anos fora estuprada e o promotor público que investigava o caso, Francisco de Paula Meirelles, acabou sendo morto a tiros na praça da cidade.

Ciente do problema, o prefeito de Santa Luzia, Públio de Souza, mandou abrir inquérito e apurar o caso. Nomeou o médico Antonio Americano do Brasil para fazer exame na menina Cajú e confirmar, ou não, o desvirginamento, na intenção de conter a virulência da futrica. Haviam espalhado que o agrônomo havia oferecido dinheiro às autoridades para não investigarem o caso.
Mas, até então, o próprio acusado, Aldovandro Gonçalves, de nada sabia. Sempre que ia a Santa Luzia se hospedava na pensão, mas morava na propriedade do pai, um rico fazendeiro, natural de Catalão, que adquirira terras naquela região. Aldovandro era engenheiro agrônomo, formado na tradicional escola de Piracicaba e desconhecia os fuxicos na cidade a seu respeito.

Tanto que, chegou em Santa Luzia e hospedou-se na pensão, quando foi informado das acusações e do processo aberto pelo prefeito. Discutiu, brigou com a dona da pensão e perambulou pela cidade, conversando com o delegado, o promotor público e um advogado. Declarou inocência e chegou a confessar que, de certa feita, havia dado um beijo na menina Cajú, mas que ela saíra correndo. Não houve qualquer outro contato da parte dele. No entanto, sabia que a garota era bem sapeca e que o exame do médico iria colocá-lo como principal acusado, se fosse comprovado algum desvirginamento.

Aldovandro ficou dois dias na cidade sem dormir e sem local de estadia enquanto os mexericos cresciam. Estava entre a cruz e a espada, quando ouviu dizer que o médico Americano do Brasil era o maior incentivador do prefeito a prosseguir com o inquérito. No cansaço e no desespero, foi tecendo suas próprias conclusões.

De manhã, estava na porta da casa do médico, quando o viu abrir o consultório. Não houve testemunhas do que foi discutido entre eles. Apenas o fato de Aldovandro dar-lhe um tiro e, em seguida, descarregar toda a munição do revólver contra o médico.

O crime trouxe comoção para todo o estado de Goiás. Em 1938, seis anos depois, os restos mortais de Americano do Brasil foram transferidos para um jazigo na sua cidade natal, Bonfim. Naquele mesmo ano, Públio de Souza foi nomeado para prefeito de Catalão.

Hoje existe uma cidade com o seu nome e ruas em Anápolis, Goiânia, Luziânia, Aparecida de Goiânia e Catalão. Americano do Brasil é patrono da Academia Goiana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás. 

Túmulo de Americano do Brasil em Silvânia, antiga cidade de Bonfim (Foto: Reprodução)

Escrito por: Luís Estevam

Luiz estevam é doutor em Economia pela Unicamp, membro titular do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG) e da Sociedade Goiana de História da Agricultura (SGHA).

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