O extermínio dos indígenas na região de Catalão

Mapa da Capitania de Goiás (1750). Autor desconhecido. Biblioteca de Évora em Portugal. (Foto: Reprodução)

O território, que hoje conhecemos por Sudeste Goiano e Triângulo Mineiro, foi habitado por milhares de indígenas da nação Caiapó. Durante séculos, os rios Veríssimo, Corumbá, Piracanjuba, Verde, São Marcos, Paranaiba e Grande eram o habitat de uma enorme comunidade de Caiapós, espalhada em aldeias pelas suas cercanias.

Nenhum dos indígenas adivinharia que, na metade do século XVIII, seriam tocaiados, perseguidos e mortos em menos de duas décadas. O extermínio da raça havia sido friamente planejado, por governantes portugueses, antes mesmo que existisse a Capitania de Goiás, quando todas essas terras ainda estavam inclusas nos limites da Capitania de São Paulo.

Nessa mesma época, os próprios bandeirantes paulistas, que acalentavam ódio mortal aos portugueses, foram também perseguidos. Cada sócio da Bandeira do Anhanguera teve um fim trágico. Bartolomeu Bueno Filho morreu pobre, endividado e repudiado pelas cortes lusitanas, em 1740, na Vila Boa de Goiás. O sócio João Leite da Silva Ortiz foi envenenado no Recife, em 1732, a mando dos portugueses, quando se dirigia a Lisboa para denunciar os desmandos que ocorriam no território descoberto. O sócio Paes de Abreu findou encarcerado na fortaleza de Santos e o sócio Domingos do Prado, com a cabeça a prêmio, refugiou-se no Sítio do Catalão, onde se envolveu no assassinato, em 1736, de um alferes da cavalaria paulista. Domingos do Prado, já idoso, terminou sua vida como fugitivo das autoridades portuguesas.

O massacre dos indígenas Caiapós representa uma nódoa vergonhosa e inapagável da história de nossa região. Os mandantes e os executores da sinistra chacina nem mereceriam ser relembrados. Foram eles: Dom Luiz Mascarenhas (mandante), João de Godoy e Antônio Pires de Castro (executores). Cada qual desempenhando um hediondo papel no sangrento episódio. Uma tragédia que deve ser revisitada.

A partir de 1749, Goiás passou a ser Capitania própria tendo o governador nomeado pelas autoridades de Lisboa. Porém, no período anterior, de 1722 a 1749, o território esteve sob a jurisdição dos governadores de São Paulo: Rodrigo César de Meneses (1722-1728), Antônio da Silva Caldeira Pimentel (1729-1732), Dom Antônio Luiz de Távora (1732-1738) e Dom Luiz Mascarenhas (1739-1748). Cada um deles ficou conhecido por alguma ação, meritória ou nefasta, no ainda nascente Goiás.

O primeiro, Rodrigo César, conduziu a parte oficial que organizou a Bandeira do Anhanguera e administrou os primeiros empreendimentos de mineração no território.

O segundo, Caldeira Pimentel, dedicou-se a perseguir os bandeirantes paulistas, sem tréguas, alegando ser homens mestiços, que se negavam a falar o português lusitano e que haviam lutado contra as cortes portuguesas no descobrimento das Minas Geraes. Tudo verdade…

O terceiro, Luiz de Távora, deslocou-se da capital paulista para as minas descobertas, falecendo de enfermidade no arraial de Traíras, quando solucionava problemas de terras supostamente pertencentes a São Paulo.

O quarto e último, Dom Luiz Mascarenhas, foi tido como um dos mais conspícuos homens de Estado que Portugal mandou ao Brasil. Transformou o arraial de Santa Ana em Vila Boa de Goiás (1739), onde centralizou toda a administração das minas auríferas.

Porém, Luiz Mascarenhas deixou uma nódoa inapagável na sua história pessoal: foi ele que mandou eliminar os Caiapós que habitavam a zona meridional do território goiano. Dom Luiz Mascarenhas não se conformava com a reação do povo Caiapó, que naturalmente reagia contra a ocupação de seus domínios. Por isso, fez vir de Cuiabá o coronel Antônio Pires de Castro, que veio acompanhado do devastador João de Godoy, incumbindo-lhes de promover uma generalizada chacina nas moradas dos Caiapós. Os dois mercenários vieram acompanhados de 500 bororos, recrutados para tal massacre.

O comandante Pires de Castro, se bem foi contratado, melhor cumpriu a tarefa. Surpreendia os Caiapós em suas aldeias e os matava aos milhares. Noticiou o comandante que fizeram mais de dez mil vítimas, de modo a despovoar toda a larga região dos rios Veríssimo, Corumbá, Piracanjuba, dos Bois, Turvo, Verde, Pardo e o Paranaiba de Porto Velho à confluência com o Rio Grande.

Mais tarde, comentando esse cruel extermínio, “por ordem da Metrópole”, o historiador Cunha Matos registrou: “Que tristes reflexões não resultam dessas notícias, dadas pelo comandante!”. Ele atravessou um deserto de 108 léguas, do Rio dos Bois até o Rio Paranaiba, sem encontrar habitação humana, em um território que estivera povoado pela nação Caiapó, destruída, em meados do século XVIII, por João de Godoy e Antônio Pires de Castro.

Cunha Matos ainda comparou: “A mortandade feita pelos espanhóis nas ilhas de Haiti e Cuba, no México e no Peru, nada foi, comparada com o massacre geral dos índios Caiapós, feito pelos devastadores Godoy e Pires nos sertões de Goiás.

O deserto humano, no sul de Goiás, depois da pavorosa chacina dos Caiapós, foi também mencionado por viajantes estrangeiros, no início do século XIX. Saint Hilaire, Alincourt e Pohl falaram das longas jornadas, dias a fio, sem encontro de vivalma na região.

A verdade é que, o nome dos devastadores genocidas, Dom Luiz Mascarenhas, João de Godoy e Antônio Pires de Castro, nem deveria ser lembrado em nossa região, dado o hediondo extermínio humano que promoveram nestas terras.

No entanto, o assunto ainda não foi criteriosamente abordado pelos nossos historiadores. Constitui, ainda, tão somente uma agenda de pesquisas.

Mapa feito em Londres, em 1816, que mostra comunidades dos Caiapós, nos limites do Rio Grande. (Foto: Reprodução)

Escrito por: Luís Estevam

Luiz estevam é doutor em Economia pela Unicamp, membro titular do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG) e da Sociedade Goiana de História da Agricultura (SGHA).

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