Manhã de Devoção: O Ritual das Congadas antes da Entrega da Coroa – Por Lucas Machado

Tradição, Fé e União Familiar: Um Olhar Fotográfico sobre a Festa do Rosário em Catalão

(Fotos: Lucas Machado – @LucasMachadoFotografo)

A segunda-feira começou cedo para mim, como sempre acontece na Festa do Rosário. Era um dia especial, marcado pela preparação dos ternos para a tão esperada entrega da coroa. Logo nas primeiras horas da manhã, eu já estava na sede do Terno Catupé Cagunda Amarelo, um dos grupos mais vibrantes e tradicionais das Congadas de Catalão. Lá, os dançadores, cheios de fé, se reuniam para o início dos rituais do dia.

A sede estava repleta de familiares e amigos, enquanto os integrantes faziam suas orações e saudavam as bandeiras do terno, símbolo maior de sua devoção. Um dos momentos mais marcantes foi o uso da calunga. Alguns bebiam a água benta com reverência, enquanto o capitão, de forma serena, fazia o sinal da cruz na testa dos dançadores, invocando proteção e força para o dia que estava por vir. Fotografar essa cena sempre me traz uma sensação de profunda conexão com a espiritualidade afro-brasileira, um sincretismo que é parte da alma das congadas.

Depois de acompanhar a cerimônia no Catupé Amarelo, segui para a sede do Terno Moçambique Nossa Senhora do Rosário, que fica ali perto, na rua ao lado. Mais uma vez, fui recebido com calor e devoção. As orações de praxe ecoavam pela sede, e era impossível não notar a emoção que tomava conta dos fiéis presentes. Entre cantos e saudações, o terno preparava seus corações e corpos para o dia. Na saída, o grupo passou ao lado da sede do Terno de Congo Caixa Preta, do outro lado da linha férrea que corta a cidade, e foi quando presenciei um dos momentos mais emocionantes do dia.

O Capitão Leo Bueno, à frente do Moçambique, fez uma homenagem tocante ao Terno Caixa Preta e ao saudoso Capitão Pelé, um homem que dedicou sua vida à tradição, tocando sua sanfona por décadas. Ele faleceu no último ano, e o Capitão Leo entoou versos antigos em sua memória, enquanto o atual capitão, Roberto, filho de Pelé, recebia a homenagem com os olhos marejados. Dona Marina, viúva de Pelé, também estava lá, firme como sempre, acompanhada por seus filhos e netos, que seguem os passos do pai e avô na liderança do terno. A emoção era palpável, e fotografar aquela cena me fez sentir a força da união familiar através da música e da fé.

Aproveitando o momento, cruzei os trilhos do trem para visitar a sede do Terno Caixa Preta. Lá, a tradição se repetia: orações, saudações e uso da calunga. Ver Dona Marina ali, acompanhada de sua família, unida pelo som das caixas, foi uma das cenas mais bonitas do dia. É em momentos como esse que percebo como as congadas transcendem o simples ato de dançar e tocar; são uma ligação ancestral, algo que passa de geração em geração.

Segui então para a sede do Terno Moçambique Coração de Maria, um dos grupos mais tradicionais da congada de Catalão. A acolhida calorosa dos amigos e dançadores foi um alívio para a correria do dia. Antes de começarem as atividades, o Capitão Antônio Carlos reuniu os integrantes e repassou as normas de conduta, reforçando o espírito de união e respeito que sempre marca o terno. Em seguida, o momento de oração foi seguido pelo uso da calunga, mais uma vez reforçando o sincretismo religioso que faz das congadas uma mistura tão rica de fé e cultura afro-brasileira. Os capitães, revezando-se nas canções, espalhavam bênçãos sobre os dançadores, protegendo seus corpos e mentes para o restante da jornada.

(Fotos: Lucas Machado – @LucasMachadoFotografo)

Mais tarde, acompanhei a visita do Terno Zé do Gordo à casa do casal Mauro Camacho e Maria do Carmo, os Guardiões da Coroa do Rosário. Esse momento é sempre especial para mim. Há 24 anos, o casal mantém a tradição de servir o café da manhã ao terno, e a cada ano, a emoção só aumenta. Assim que o grupo chegou, dançou e tocou com uma devoção única, seguiu-se um momento de oração, e logo após, o café foi servido. Naquele jardim, entre as árvores e flores, presenciei uma das cenas mais tocantes da manhã: um grupo de crianças do terno, fardadas em azul e rosa, as cores de Nossa Senhora do Rosário, lanchando à sombra de uma árvore florida. Era uma visão angelical, quase como se o paraíso tivesse descido à terra. Foi um instante de beleza pura, que capturei com minha câmera, mas que ficará gravado na minha memória por muito mais tempo.

Esses momentos de preparação, entre danças, orações e reencontros, são a essência da Festa do Rosário. Eles mostram o lado humano, a devoção e a união familiar que sustentam essa tradição centenária. Como fotógrafo, é um privilégio poder registrar essa história viva, que transcende gerações e mantém acesa a chama da fé e da cultura em Catalão.

Confira os registros de Lucas Machado – Fotos: Lucas Machado – @LucasMachadoFotografo: