Juiz tira vaga de cotista negra e manda nomear candidato branco na Universidade Federal de Goiás

Secretária de inclusão da instituição alega ‘ignorância’ e ‘desconhecimento da forma como acontece o processo seletivo com reservas de cota’ nos concursos públicos da faculdade que, segundo ela, são referência no país 

Rodrigo Gabrioti e Gabriela Marques – (Foto: Divulgação / Reprodução)

Um juiz de Goiás determinou que um candidato branco fosse nomeado professor universitário em uma vaga destinada a candidatos negros, em um concurso na Universidade Federal de Goiás (UFG), o que foi concretizado no último dia 16 deste mês. A instituição e a candidata cotista entraram com recursos. A decisão do magistrado Urbano Leal Berquó Neto motivou revolta de alunos da universidade, que se manifestaram contrários à decisão.

Para Luciana de Oliveira Dias, secretária de inclusão da universidade, o caso se deve a uma má interpretação do processo seletivo de concursos públicos com reserva de vagas para cotistas na instituição que, segundo ela, são referência no país.

— Somos convidados por universidades no Brasil inteiro para trocarmos experiências a respeito dessa metodologia de vagas para as cotas que contribui de maneira muito eficaz para a comunidade de ensino e que, desde 2019, quando começou a ser implementada, nunca havia sido questionada – porque há uma lisura, um respeito, uma seriedade. Essa é a primeira vez que um candidato questiona a legitimidade do processo —, disse, ao GLOBO.

A defesa de Rodrigo Gabrioti, o candidato branco que tomou posse da vaga em questão, contrariou a versão oficial da UFG. Para o seu advogado, Sérgio Merola, a ação judicial se trata de algo “de cunho matemático”. Essa foi a alegação que embasou a decisão final do juiz.

— A lei de cotas fala que a reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas for igual ou superior a três. E, agora, a UFG publicou um único edital com diversas vagas para ‘cargos distintos’. No cargo em que Gabrioti foi aprovado, só tinha uma vaga imediata, portanto, não poderia haver reserva de cotas. A UFG somou todas as 15 vagas de ‘cargos distintos’ e escolheu onde ia ‘colocar as cotas’. Isso não pode, a lei não permite. As cotas devem ser reservadas para cada cargo. — afirmou.

No edital, no entanto, só há menção a um único cargo, o de “Professor do Magistério Federal”. Luciana acredita que “a compreensão que a defesa faz é a de que o edital é para uma vaga, mas não é.”

— Eles olharam a peça do departamento e não a da universidade. Esse é um edital para 15 vagas, portanto temos que reservar três para candidatos cotistas, para respeitar a lei dos 20% — explica.

Sobre o método de escolha da aplicação das três vagas, Luciana disse:

— A universidade lança esse edital para uma única carreira, a de magistério superior, ela é o que consta no edital. Menos importa se o professor atuará em matemática, física, história ou direito. O cargo que ele vai ocupar é o de magistério no ensino superior. Primeiro nós recebemos os pedidos dos departamentos de cada curso. Para cumprirmos a regra de 20%, a cada cinco pedidos, um é aplicado com reserva de vagas. Dessa vez coincidiu de ser o da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC), mas poderia ser de qualquer outro, como já foi.

Nos autos do processo, o Ministério Público Federal destacou que “possui interesse em intervir no feito, na qualidade de ‘custos legis’ [fiscal da lei]”. Quando algum processo judicial tem questões que podem ser de interesse público, o MPF pode se manifestar, mesmo que não seja parte do processo.

Em nota enviada ao GLOBO, o MPF disse que a decisão nessa ação afeta “a população em geral”. “De acordo com o procurador que cuida do caso, a demanda é de interesse público porque envolve concurso público e afeta não apenas os candidatos aprovados, mas também a instituição (UFG), os estudantes e a população em geral. É em razão disse que o MPF está acompanhando o caso em todas as instâncias”, diz a nota.

Luciana garantiu que a UFG atuará no sentido de “aprimorar” o edital para que casos como esse não se repitam.

— Estamos empenhados em estudar o edital e verificar possibilidades de aprimoramento para evitar duplas interpretações —, garantiu.

Gabriela falou sobre os próximos passos com a possibilidade de não conseguir que seu recurso na justiça seja favorável.

— Tenho que ter esperança, claro, mas não sou ingênua a ponto de achar que tenho 100% de chances de ganhar. Quando fui aprovada nesse concurso da UFG, acabei saindo de alguns trabalhos. Como isso não se efetivou e preciso trabalhar, já me inscrevi em outros concursos e vou fazer outras provas. Vou continuar dando visibilidade para esse caso e seguir lutando porque, mesmo se o resultado não for favorável para mim, pelo menos nós retomamos esse debate e questionamos essas decisões —, concluiu.

Com informações O Globo.

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