Goiás já registra mais de 400 mortes no trânsito em 2022

Uma vida interrompida, uma história que não teve um ponto final e outras três pessoas com cicatrizes piores que as físicas, mas emocionais.Um animal na pista em 16 de dezembro de 2020 fez com que a família Dourado mudasse completamente o rumo, eles sofreram um acidente de trânsito em um passeio que era para ser um momento feliz. A mãe da terapeuta familiar, Gabriela Sandoval Dourado, 27, foi uma das vítimas do trânsito nas estradas goianas em 2020, agora com mais de um ano após a perda ela lembra daquele dia com vívidos detalhes.

Sônia Maria Sandoval Dourado, mãe da Gabriela e do Gabriel é mais uma vítima das estradas brasileiras. Os acidentes de trânsito tiram, diariamente, a vida 86 brasileiros, além de um problema que cresce junto com o aumento do número de veículos. Quase 500 goianos perderam suas vidas nas estradas somente em 2022, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública de Goiás.  A tendência é de aumento já em 2021, 1.615 pessoas tiveram suas vidas interrompidas nas estradas, em 2020 1.504 goianos morreram no trânsito.

Gabriela Dourado contou à reportagem do jornal O Hoje como foi viver esse dia.“Estávamos saindo da cidade de São Luís de Montes Belos quando apareceu um animal na pista e ao tentar desviar o carro capotou e caiu em um brejo de cabeça pra baixo. No veículo estava meu irmão mais novo, minha mãe, pai e eu.”, relembra Gabriela Dourado. Após mais de um ano após a tragédia, Gabriela sente aperto no coração em pensar que a situação talvez pudesse ter sido evitada. “Ainda é doloroso lembrar, e sempre vem o questionamento se caso tivesse um parapeito na estrada ou placa, poderia ser diferente o resultado final . As lembranças ainda vem,me lembro do animal na pista e do grito. Lembro que quando acordei estava de cabeça para baixo, pendurada pelo cinto e meu irmão do lado, segurei a mão dele pra acorda-lo”, conta.

O irmão mais novo, que dirigia o carro no momento do acidente, conseguiu se soltar , mesmo com ferimentos, e pedir ajuda. Após esse momento as lembranças da jovem Gabriela são falhas. “Me lembro que minha mãe foi a única que não respondia, e que meu pai conversava comigo pra acalmar a situação. Quando chegou o socorro eles precisaram de nos puxar pela corda logo que o local era íngreme , meu pai foi salvo primeiro pela urgência dos ferimentos, quando retirou ele fiquei sozinha, até descerem e vir me socorrer”.

A família foi para o hospital de urgência da cidade, mas o pai e o irmão de Gabriela foram encaminhados para Goiânia por conta da gravidade do acidente, ela ficou por não ter nenhum ferimento grave. Mas, a terapeuta familiar lembra da dor ao receber a notícia da morte da mãe. “Meus tios me buscaram na manhã seguinte. Eles contaram só quando cheguei em casa sobre minha mãe, senti como se uma faca me atravessasse o estômago. Eu lembro de ver ela deitada no chão do carro e sangue”, lembra com pesar.

O irmão de Gabriela passou por cirurgia que precisou fazer uma cirurgia para inserir uma placa na coluna  logo no início dela, mas não teve nenhuma sequela. Seu pai “teve um pós-traumático”. Apesar daquele dia 16 de dezembro de 2020 ter sido um dia que estará para sempre na memória da família, eles puderam se sentir acolhidos. “Foi um ano difícil de ausência. Procuramos viver um dia por vez, nos unindo como família. Tivemos uma rede de apoio de amigos e familiares”, finaliza.

Marcas para a vida toda 

Uma mulher jovem, vaidosa e que amava andar de ‘salto 15’, esposa e mãe de duas meninas. Essa era a vida da atual presidente da Associação dos Deficientes Físicos do Estado de Goiás (Adfego), Maria Clara Carvalho, 56, que sofreu um acidente em 1995 que a deixou tetraplégica por causa da imprudência de uma pessoa que nunca viu na vida. Após 27 anos ela carrega marcas para a vida toda e muito aprendizado.

“Uma pessoa embriagada que não respeitou a sinalização colidiu com o veículo que eu estava sendo a passageira  e o meu esposo o motorista, com isso  o carro rodou e bateu no muro”, relembra Maria Clara. Ela afirma que sempre gostou de andar no salto 15 e para ela ter que perder os movimentos com apenas 29 anos por causa de uma pessoa sem responsabilidade foi um choque muito grande. “Hoje já tem 27 desde o acidente e no fundo você pensa que terá alguma tecnologia, uma medicina que vai estudar isso e você pode voltar a andar. Não que isso seja fundamental, mas é um choque você nunca sabe na real”, relata.

O acidente mudou a vida de Maria Clara, o que alguns possam enxergar como uma tragédia ela vê como aprendizado e renascimento. “Vejo como um renascimento, como uma outra forma de encarar a vida dando valor a cada detalhe, a cada amanhecer, e a cada conquista. A época do acidente estava com duas filhas ainda crianças e naquele momento além da minha superação pessoal tinha que ter forças para continuar com a minha vocação materna. E hoje com minhas filhas maiores e formadas vejo que tudo vale a pena. Toda luta vale a pena. Todo esforço vale a pena. Viver vale a pena.”, conclui otimista.

Estatísticas da violência no trânsito em Goiás

O número total de acidentes de trânsito só neste ano já ultrapassa os 26 mil, mas são levadas em consideração todos os tipos de acidentes, batidas leves, com carros, motos, com vítimas ou não. Acidentes que saem de danos financeiros, para danos físicos e emocionais. Maria Clara teve que aprender o que é ser uma pessoa com deficiência, mas isso não tirou a sua alegria.

Apesar dos momentos de dificuldades e ter que aprender a levar uma vida de maneira diferente a presidente da Adfego é um exemplo de superação. “Fui capaz de superar e enfrentar toda e qualquer dificuldade com garra e coragem. E hoje um alerta que faço é sobre o sentimento de responsabilidade que deve  fazer parte da vida de toda e qualquer pessoa na condução de um veículo automotor. Não colocando assim a sociedade em risco”, orienta.

Já o pintor decorativo Celso Coimbra,34, sofreu um acidente de trânsito no ano passado e teve prejuízos materiais. O carro ficou completamente destruído no lado do passageiro. Ele estava indo buscar a esposa grávida e os dois filhos pequenos na casa da sogra em Minas Gerais, para ele o acidente foi no momento certo porque evitou uma tragédia ainda maior que poderia ter machucado outros membros da família.

“Eu estava em uma rodovia que vai de São Sebastião a Santa Maria, era uma rodovia bem ruim. Estava mal sinalizada e eu não conhecia aquela rodovia e eu estava a 70 quilômetros por hora no momento do acidente”, relata. Segundo Celso Coimbra no dia do acidente a rodovia estava passando por um recapeamento e estava sem sinalização nem de faixa, nem de placa e estava começando a chover. “Eu me deparei com um caminhão vindo na contramão já para bater de frente comigo. Na hora eu tentei desviar, mas o retrovisor do lado do motorista ainda pegou no caminhão. Eu tentei retomar para a rodovia mais o carro rodou e veio outro carro na contramão e acertou a lateral do meu carro. Se tivesse mais alguém ao lado do passageiro teria se machucado”, relembra.

O pintor decorativo para não colidir com o caminhão teve que jogar o veículo o máximo possível da via “mas, a pista não tinha acostamento e eu cai na valeta”. Ele é cristão e agradece a Deus por nada de pior ter acontecido e ele afirma que ao fazer viagens no carro sempre fica de olho na manutenção. “O próprio Jeová já nos diz na Bíblia que o acaso e o imprevisto sobrevêm a todos. Então,meu carro estava em dia, pneu bom. A estrada estava terrível mas eu estava  tendo a devida atenção e o devido cuidado, porém teve o imprevisto do caminhão entrar na contramão”. Celso teve um prejuízo financeiro de mais de R$6 mil e na época ele ainda não tinha seguro.

Má sinalização é uma das principais causas de acidentes

O estado de Goiás possui atualmente 4,3 milhões de veículos. Só neste ano, 24.530 foram fabricados nos primeiros meses do ano de acordo com dados disponibilizados pelo Departamento Estadual de Trânsito de Goiás (Detran GO). O doutor em transportes e professor do Instituto Federal de Goiás (IFG) afirma que existem diversos fatores para fatalidades em acidentes de trânsito, mas que um dos fatores principais é a ausência de sinalização em vias movimentadas.

“Além de imprudência, falta de cuidado e atenção por parte do motorista, é importante ver o outro lado da moeda que muitos fatores são causados é a questão da má sinalização das vias, má qualidade das vias – buracos,  qualidade do asfalto, outros problemas de geometria das vias”, exemplifica.

Para o especialista o fator determinante para um acidente fatal e não fatal é a velocidade. “A maior forma de tentar prevenir um acidente fatal é a velocidade. Um pouco a mais que você anda acima da velocidade da via você pode realmente ter a diferença entre a vida e a morte da pessoa que está envolvida no acidente”, alerta.

Outro fator, de acordo com Adriano Paranaíba, para acidentes recorrentes de trânsito são os altos custos para tirar uma habilitação. “A pessoa que completa a idade apta para tirar uma carteira de motorista, os custos são muito altos. Então a pessoa pega a moto e o carro sem a carteira de motorista e preferem correr esse risco de dirigir sem carteira”.

O especialista acredita que a legislação de trânsito não é completa e nunca será. “Temos muita inovações, todo dia surge um novo tipo de transporte, a micro mobilidade está cada vez mais presente dentro do transporte e legislação teria que ter o objetivo dela dar regras gerais e não se preocupar tanto com questões muito pontuais que acaba sendo vencida pelo tempo. Qualquer inovação que surge no transporte para melhorar a mobilidade urbana acaba esbarrando em uma legislação que estará sempre desatualizada”.

Maio amarelo 

O Maio Amarelo é um movimento de conscientização que envolve o poder público e a sociedade civil em ações que visam a redução de acidentes de trânsito, chamando a atenção para o alto índice de mortes e feridos. Segundo dados de 2020 da Organização das Nações Unidas (ONU), 1,35 milhão de pessoas perdem a vida a cada ano no mundo todo. No Brasil, em 2019, quando foi divulgado o último levantamento pelo Ministério da Saúde, foram mais de 31.945 vítimas fatais.

O Detran-GO, assinou a adesão ao Plano Nacional pela Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans), em novembro do ano passado, durante a visita do secretário Nacional de Trânsito, Frederico Carneiro, à autarquia. O objetivo do plano é a redução pela metade do número de mortes no trânsito até 2028. As ações previstas têm o potencial de preservar 86 mil vidas no período.

Com informações O Hoje

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