Futebol no Catalão de antigamente

Por Luís Estevam

(Foto: Arquivo Pessoal)

Com a aproximação da Copa do Mundo 2022, nada melhor que relembrar as origens desse esporte em nossa cidade. As primeiras equipes, os atletas que marcaram época e a fundação do CRAC constituem uma página memorável na história esportiva local.

Tudo começou em 1913, momento em que a estrada de ferro chegou a Catalão. Os trilhos repartiram a cidade em duas e se tornaram referência na paisagem urbana. Abaixo dos trilhos, espremidos ao longo do ribeirão Pirapitinga, estava a maioria da população, as indústrias e o comércio. Acima dos trilhos haviam pouquíssimas casas, o Morro das Três Cruzes, além de um velho cemitério e o imenso cerrado ainda a ser ocupado.

Naquele mesmo ano, a rapaziada demarcou um espaço, próximo ao antigo cemitério, no cerrado acima dos trilhos, para treinar futebol. O local era inclinado e sulcado pelas enxurradas. Tanto que, somente os mais fortes e dispostos enfrentavam as adversidades daquele campo de terra bruta, treinando na chuva e no sol. Na verdade, só parecia mesmo um campo de futebol pelas balizas de marcação e pelo terreno vermelho pisoteado pelos atletas amadores.

Naquele palco esportivo, constantemente em operações de nivelamento e de tapa-buracos, se formou uma equipe respeitada e temida na região sudeste do estado. Ali se consolidou, fundado em 1913, o Catalão Futebol Clube (CFC).

(Foto: Arquivo Pessoal)

Em tardes memoráveis de domingo, as partidas de futebol se tornaram um acontecimento em Catalão. O CFC massacrou os times de Goiandira, Ipameri e até mesmo o de Araguari-MG. Após ter vencido, por várias vezes, todas as equipes da região, o CFC foi jogar contra o Anápolis, considerado o melhor time goiano. O placar foi de 2×0 para a equipe catalana.

Com isso, o CFC foi reconhecido extraoficialmente, em 1923, como campeão do estado de Goiás. Além do mais, passou a ser respeitado e temido em todo o Triângulo Mineiro.

(Foto: Arquivo Pessoal)

No princípio, o futebol era um esporte da elite social em Catalão, tanto que se chamava “Catalão Foot-ball Club”. Seus atletas pertenciam a famílias importantes do município, sendo filhos de fazendeiros, comerciantes, industriais e funcionários públicos. Era um time da alta classe, que somente aos poucos foi aceitando, nos seus quadros, alguns jogadores de fora e poucos trabalhadores braçais que se destacavam no esporte.

Naquele improvisado campo de terra brilharam atletas amadores como Isaac da Paixão, Galeno Paranhos, Durval Sampaio, Antônio de Paiva, Talles Campos, Weber Campos, Nassin Agel, Afonso Paranhos, Itamar Netto Carneiro, Antônio Lucas, Afranio Righetto, Delermando Sampaio, José Righetto, João Margon Filho, Dimas Pires, Oliveiros Pires, Chico Margon, Alberto Safatle, Enio Methsavah, Laerte Margon, Jamil Safatle e outros mais.

Era uma época em que os jogadores ostentavam, com orgulho, nome e sobrenome. Somente com o tempo, o clube foi abrigando outros jogadores mais pobres, como Alberto Mendes, e passou a atrair atletas de fora, como João Meireles, Batel e Benevenuto.

No campo do Catalão, também outras equipes menores se apresentavam para alegria da população. Os times da Cerâmica São José, do José Marcelino, e o da Usina Martins, do Francisco Cassiano, por exemplo, estavam sempre se desafiando. De certa feita, o time da Cerâmica ostentou um novo e belo uniforme. O seu adversário pediu emprestado o uniforme do Ouvidor Futebol Clube (OFC). Quando lhe perguntavam sobre o OFC na camisa dos atletas, o dono da Usina Martins respondia garboso: “Osina Francisco Cassiano”. Ganhou aquela partida.

O Catalão Futebol Clube, por sua vez, continuava sendo uma agremiação exclusivista, fechada para a comunidade em geral. Tanto que, em represália, os trabalhadores braçais resolveram criar um espaço próprio para treinar futebol, nas tardezinhas, após o expediente. Nasceu daí, o Operário Esporte Clube.

No caminho para o Morrinho da Saudade, ao lado da rua São João, os operários abriram um terreno no cerrado, ergueram duas balizas e demarcaram espaço para treinos de futebol. Logo se formou um time respeitável, passando a representar a camada mais pobre dos catalanos. Em pouco tempo, o Operário Esporte Clube também alcançava vitórias heróicas sobre vários times da região.

Assim, passaram a coexistir, na cidade, dois clubes vencedores no futebol amador, o Catalão e o Operário, bem diferentes em sua composição e no status social de seus atletas. Nunca haviam se enfrentado, não se misturavam e evitavam competição entre si. Porém, devido a sugestões populares, aconteceu o embate futebolístico entre os dois times catalanos, marcando profundamente a história dos respectivos clubes.

As partidas de futebol de antigamente, mais do que hoje, significavam muito para os envolvidos. As jogadas eram feitas de forma destemida, na raça, normalmente carregadas de malícia ou violência.

O confronto entre o CFC e o Operário não foi diferente. Pelo contrário, mais do que uma partida, tornou-se quase uma disputa de classes.

Um dos que presenciaram o histórico embate, Sebastião de Santana e Silva, escreveu sobre ele, mais tarde, quando se tornou membro da Academia Catalana de Letras. Segundo ele, os dois times se respeitavam à distância e coexistiam pacificamente. No entanto, “algum espírito de porco decidiu que a hegemonia futebolística da cidade deveria ser decidida no peito e na raça, e o desafio foi lançado. Em campo aberto, na presença da população, seria decidido qual era o campeão da cidade!

O encontro foi marcado para uma tarde de domingo e, para que a decisão fosse completa, deveriam ser duas as competições, entre o primeiro e o segundo times ou, como se diz hoje, entre os titulares e os reservas”.

No dia combinado, praticamente toda a cidade esteve presente. Porém, na partida preliminar estourou logo um acidente.

Narrou Sebastião de Santana que, “em um encontro infeliz, numa dividida como se diz hoje, Tó, atacante do Operário, foi atingido em pleno peito pelo joelho do goleiro do Catalão, tombando desacordado. Não resistiu à violência do choque e, alguns dias depois, talvez por falta de assistência médica adequada, inexistente na época, teve morte sofrida e dolorosa.

“Na partida principal defrontaram-se os dois quadros. O Operário, provavelmente traumatizado pelo acidente da preliminar, não resistiu ao impacto dos jogadores do Catalão e cedeu três gols a zero ao adversário. A autoria dos três pontos coube ao jovem Durval Sampaio, moço bonito, forte e cheio de vida, recém egresso do Ginásio Diocesano de Uberaba, onde estudavam filhos da elite catalana, colégio famoso na prática do futebol”.

Sebastião de Santana lembrou que, “poucos anos depois, ainda em plena mocidade, Durval Sampaio tombaria sem vida, varado de balas, vítima das lutas políticas que dividiam o município “.

O fato é que, a derrota foi o ponto final na vida do Operário Futebol Clube. Enterraram seu jogador em um cortejo fúnebre, puxado a dobre de finados pela banda do maestro Piray. Toda a população da cidade acompanhou o corpo do jogador em uma derradeira e sentida homenagem ao moço humilde da rua de São João.

Nos dias seguintes, arrancaram as balizas, o cerrado avançou novamente sobre o campo de futebol do Operário e a população modesta e sofredora do alto do São João desistiu de competir com o poderoso Catalão Futebol Clube.

Mas, o maior craque do futebol catalano foi um jovem do povo, Alberto Mendes, que já brilhava na modalidade desde menino. Era o astro da escola Olavo Bilac, em Catalão, onde o professor Póvoa treinava a garotada utilizando palmatória, como medida disciplinar, também no esporte.

Quando se tornou adulto, a fama de Alberto Mendes aumentou. Inclusive foi convidado para treinar no Paulistinha Futebol Clube (hoje São Paulo Futebol Clube) e também para estrear no Flamengo, convite feito pelo lateral daquela equipe que assistira sua atuação no Catalão Futebol Clube.

Alberto Mendes declinou ambos os convites. Preferiu continuar em Catalão onde era sagrado como herói do futebol amador. Além de jogador, trabalhava como sapateiro nas indústrias Margon e era também pistonista na famosa Banda do Pirahy.

Quanta alegria Alberto Mendes proporcionou aos torcedores catalanos com os seus dribles geniais! Em razão disso, o prefeito Haley Margon, em 1985, prestou homenagem ao saudoso atleta construindo o Estádio Municipal Alberto Mendes em Catalão.

Ainda na metade do século passado, a história do CFC passou a se confundir com a história do CRAC. Os atletas se misturaram em nova agremiação. O amador deu lugar ao profissional.

A semente havia sido lançada em 1931, quando foi fundado o Clube Recreativo Catalano (CRC), com sede em um sobradinho (hoje demolido) na área central da cidade. Na sua primeira etapa de atividades, o clube se limitava aos saraus de dança e às partidas de bilhar. Mas, em 1942, o clube adquiriu uma nova sede, de frente para a Praça Getúlio Vargas, edificando um belo salão de dança. Esta sede social do CRC serviu de cenário, durante mais de trinta anos, para a realização de bailes que marcaram época e para exibição de grandes orquestras do Rio e São Paulo.

Ainda na década de 1940, o CRC incorporou atletas de várias modalidades esportivas ao seu quadro social, alterando definitivamente o estatuto da agremiação para Clube Recreativo e Atlético Catalano (CRAC). Logo depois foram construídos e equipados locais para vários esportes e edificado o Estádio Genervino Evangelista da Fonseca.

(Foto: Arquivo Pessoal)

NOTA: Quem presenciou e nos contou estas histórias foi o saudoso Sebastião de Santana e Silva, que foi Ministro do Planejamento no governo Costa e Silva e membro da Academia Catalana de Letras.

Escrito por: Luís Estevam

Luiz estevam é doutor em Economia pela Unicamp, membro titular do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG) e da Sociedade Goiana de História da Agricultura (SGHA).

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