De carreira como cantor ao abandono da música: como estão integrantes da banda de Marília um ano após morte da cantora

Músicos contam como era trabalhar com a Rainha da Sofrência e afirmam que perderam uma grande amiga. Boa parte deles também tocou com o cantor Cristiano Araújo, que morreu em um acidente seis anos antes da cantora.

(Foto: Reprodução/Redes Sociais)

“Quando eu soube da morte da Marília, lá no hotel, eu entrei em desespero. Era inacreditável o que estava acontecendo com a gente”, se recorda o baixista Luís Vagner da Silva Santos sobre quando soube que a cantora tinha morrido a caminho de onde iam se apresentar, em 2021. Assim como ele, os demais integrantes da banda tiveram de lidar com a dor da perda e buscar novos rumos. Enquanto alguns investiram na carreira de cantor teve quem até abandonou o trabalho com a música.

Luís, assim como o diretor musical Junior Campi, trabalharam também com Cristiano Araújo, cantor sertanejo que morreu em um acidente de carro no ano de 2015. O artista voltava de um show em Itumbiara, sul de Goiás, quando o veículo em que ele estava saiu da pista e capotou. Era como se os dois músicos estivessem vivendo a mesma tragédia duas vezes.

“No hotel, eu vi Junior Campi sair do elevador, emocionado, falando: ‘Luís, de novo, de novo!’. Eu o abracei e pensei: ‘Meu Deus cara, não acredito’”, se recorda o baixista.

Ao todo, a banda de Marília era composta por 10 músicos. Alguns passaram a trabalhar com a dupla Dom Vittor e Gustavo, como é o caso de Luís Santos. Outros colaboradores foram remanejados para as equipes de Maiara e Maraisa e Henrique e Juliano, além de outras bandas. O único que não seguiu a carreira musical foi Pretinho Sanfoneiro, como é conhecido, que atualmente mora nos Estados Unidos.

“A gente quase não tinha ensaio. A gente se via mais nas resenhas mesmo. Todo mundo era muito profissional sabe, a Marília mandava a letra, a gente ensaiava em casa e já ia fazer o show”, relembra Franco Tcherr, violonista da banda, que além do violão, toca também viola e guitarra. Franco é irmão de Elvis Tcherr, que tocava teclado na banda, e atualmente formam a dupla sertaneja Elvis e Franco.

Artista diferenciada

O instrumentalista conta que a cantora reuniu quase todos os integrantes da banda do Cristiano Araújo, mas como alguns não quiseram seguir no projeto, acabou surgindo uma oportunidade para ele. Na época em que recebeu o convite para trabalhar com Marília, ele tocava com dupla sertaneja Carlos e Jader. De início, hesitou em aceitar, mas foi convencido pelo amigo Marcos, que tocava guitarra e já previa que a cantora ia “estourar”. Então ele foi e, já no primeiro show, teve a dimensão do sucesso que ela seria.

Segundo Franco, nem a própria Marília entendia o que estava acontecendo e não conseguiu conter as lágrimas durante a apresentação, porque o público cantava suas músicas do início ao fim. Para ele, que começou a carreira musical aos 14 anos de idade, ela se diferenciava de todos os outros artistas não só pelo talento, mas pela pessoa que era e pelo carinho que tinha com todos.

“Ela era como se fosse uma amiga mesmo. Ela sempre se preocupava com a gente, perguntava como estávamos. Família mesmo. Ela era tipo a mãezona de todo mundo”.

(Foto: Franco Tcherr/Arquivo)

Quando as viagens eram para shows em cidades próximas, a artista fazia questão de ir no ônibus com a banda, apesar de ter um jatinho particular à disposição. Quando é questionado sobre a peculiaridade de Marília Mendonça em relação aos outros artistas, Franco se emociona, para e me mostra um vídeo em seu celular. O registro mostrava a cantora divulgando o trabalho da dupla Elvis e Franco e contando como tem um carinho especial por ele.

“Essa era a Marília. O carinho. A confiança. A Marília ficou marcada nas nossas vidas. É como se fosse irmã da gente”, fala segurando as lágrimas.

O violonista não chegou a trabalhar com Cristiano Araújo solo, mas participou da dupla Cristiano e Gabriel, por volta de 2008. Franco vem de uma família de músicos, mas, no começo, tinha uma certa resistência com o violão. Foi aos 14 anos que sentiu um interesse pelas viagens profissionais do pai e pediu uma guitarra de presente. Com apenas um mês de treino, já estava fazendo shows, e pouco tempo depois, formou uma banda com o pai, a mãe e o irmão, o grupo G+ Opção.

Atualmente, Franco se dedica ao trabalho com o irmão, na dupla Elvis e Franco, que se diferencia pelo repertório diverso. Eles cantam de tudo, desde o clássico modão até o rock. Além da dupla, Franco também toca na banda de Juliette, vencedora do BBB 21 que aposta na carreira de cantora. Ela estreou sua primeira turnê como cantora em março de 2022.

O músico conta que recebe muitas outras propostas de trabalho, mas optou por ficar mais tempo em casa. “Depois que a Marília morreu eu aprendi que não adianta essa correria. É bom a gente trabalhar, viajar, ganhar um dinheiro. Mas perde a vida. Por exemplo, eu, meus três filhos, eu não os vi crescerem”, explica.

Diferente de Franco, Luís Santos trabalhou diretamente com Cristiano Araújo, também como baixista. O início de sua carreira musical, porém, se deu como guitarrista na banda Balança Coração. Nascido em Correntina, na Bahia, sempre se diferenciou pelo swing baiano que trazia em seus acordes e logo entrou na banda Swing Brasil, sucesso nos anos 90. Foi aí que conheceu Wilton Carlos, empresário da banda, que posteriormente se tornou o empresário de Cristiano Araújo. Na banda de Cristiano, Luís tocou por 5 anos até o trabalho ser interrompido pela fatalidade que aconteceu com o cantor em 2015.

Foi nesse período que o instrumentista ficou conhecido nacionalmente, inclusive por um episódio que viralizou nas redes sociais. Enquanto ele ensaiava em casa, um pombo branco aparece em sua janela como se quisesse lhe dizer algo. No vídeo, o músico levanta e abre a janela para o animal entrar e, surpreendentemente, o pombo pousa em sua cabeça e fica por vários minutos enquanto ele toca seu contrabaixo. De acordo com Luís, pouco tempo depois ele recebeu uma ligação. Era um convite de Júnior Campi para participar da banda de Marília Mendonça.

“O projeto da Marília foi uma benção na nossa vida, porque todo mundo estava ali de novo junto. A maioria da banda foi para o projeto”, relata.

(Foto: Reprodução/Redes Sociais)

Quando Marília Mendonça morreu, ele sentiu seu mundo desabar mais uma vez.

“Eu passei um período no mundo da lua. Eu pensava que eu não estava andando, não estava caminhando”, relembrou Luís emocionado. Para afastar a tristeza, ele começou a exercitar o que faz de melhor: tocar e compor.

Em casa, chamou sua esposa para compor com ele. Dany di Carla, de 29 anos, impressiona com sua voz potente e composições que falam com o público, legado herdado da Rainha da Sofrência, que teve o prazer de conhecer pessoalmente.

Para o baixista, o maior diferencial de Marília em relação aos outros artistas era a comunicação que ela tinha com seu público. “As composições dela falavam muito sobre a vida das pessoas. Todo mundo tinha uma relação com aquelas músicas. Já ouviu uma música que você ouve e fala, caramba essa música é minha cara? Porque tem muitas músicas hoje que fazem sucesso, você até ouve, mas ela não fala nada para ninguém”, explica Luís. Marília Mendonça sabia atingir o público com a verdade deles, e não apenas seu público, ela conseguia falar com todos.

Essa foi a grande diferença da artista, segundo Kauê Chagas, percussionista da banda da cantora. “A Marília conseguiu reunir todo mundo. É o principal. O rock, o pagode, o sertanejo, o Norte, o Nordeste, o Centro-Oeste, o Sudeste, enfim, todo mundo escutou Marília”, conta.

Segundo o músico, todo mundo queria ouvir Marília, e não só pelo profissionalismo e talento, mas pela pessoa que ela era. “Vi isso só uma vez. Com os Mamonas Assassinas, quando eu tinha 12 anos”, completa.

Sempre que ela ia a um programa de TV, era recorde de audiência. Desde sua morte, a artista não saiu do Top 3 Artistas do Spotify. De acordo com a assessoria da cantora, Marília Mendonça foi a artista mais ouvida em 2020. Em 2021, ficou em 2° lugar na colocação. Em 2022, ficou 17 semanas consecutivas no Top 1 do Spotify desde o início do ano, totalizando 28 semanas no primeiro lugar. Marília conquistou o Brasil e seu legado permanece vivo nos corações de seus admiradores.

O percussionista Kauê trabalhava com a dupla Eddy e Bruno quando recebeu o convite para integrar a banda de Marília Mendonça. Ele relembra que, desde o começo, em 2015, até 2021 foram anos maravilhosos de uma caminhada muito bonita.

“Não só pelo trabalho, mas pela patroa que a gente tinha. Pela pessoa que ela era com a gente. Não era uma relação entre patrão e funcionário. Foi um dos motivos que todos mais sentiram, porque não perdemos uma patroa, perdemos uma amiga”, conta o percussionista.

(Foto: Kauê Chagas/Arquivo Pessoal)

De todos os integrantes entrevistados, Kauê Chagas foi o único que não havia trabalhado com Cristiano Araújo. Contudo, após a morte de Marília, acabou recebendo o convite para trabalhar com Felipe Araújo, irmão de Cristiano, com quem toca atualmente.

Camarim aberto

Quando o artista é reconhecido, normalmente tem dois camarins, um para ele e outro para a banda e equipe, como era o caso de Marília. Ela, no entanto, sempre deixou muito claro que não queria essa diferença e que seu camarim deveria ser aberto para todos da equipe entrarem e saírem quando quiser.

“Marília foi uma grande amiga, ela sempre fez questão da nossa amizade e de estarmos próximos. Sempre tratou sua equipe como membros de sua família”, se lembra Marquim, como é conhecido Marcos Demetrios, que era diretor de camarim da artista.

Diferente dos outros integrantes da banda, ele não estava no hotel quando recebeu a notícia da morte da cantora. Ele estava ajudando na montagem do palco para o show que ela faria, próximo ao local do acidente. Quando recebeu a notícia, foi imediatamente até o local onde o avião estava, com grande esperança no coração, porque a aeronave não parecia muito degradada. Foi quando a porta se abriu que ele viu os corpos sendo retirados, todos sem vida. A ficha dele só caiu quando ele se aproximou e viu de perto cada uma das vítimas, dentre elas a cantora.

Para Marquim, o grande diferencial da amiga é que ela nunca se deslumbrou com o sucesso e sempre foi verdadeira. Um ano após sua morte, a Rainha da Sofrência segue com suas músicas entre as mais tocadas do país, com um vasto repertório de 335 obras autorais e 444 gravações. Além disso, ela mantém, mensalmente, mais de 10 milhões de ouvintes e foi a primeira artista brasileira a superar mais de 8 bilhões de streams.

Precursora do feminejo, é inspiração para cantoras que buscam espaço e para o empoderamento feminino, seja fora ou dentro dos palcos. Sua partida deixou um buraco no coração dos integrantes da banda, de sua família, fãs, amigos e, principalmente, no Brasil, que perdeu uma de suas maiores artistas.

(Foto: Reprodução/Redes Sociais)

Com informações G1 Goiás.

Comentários