ÁGUAS DA AMAZÔNIA NO CERRADO: PARA QUÊ E PARA QUÊM? CONFLITOS IMINENTES PELA NEGLIGÊNCIA DE GESTÃO

 (Foto: Ilustrativa/Cerrado brasileiro)
(Foto: Ilustrativa/Cerrado brasileiro)

A Amazônia e o Cerrado brasileiro convivem na atualidade com as mais graves e inconsequentes formas de intervenções nunca vistas em suas histórias, despertando nos pesquisadores, atores e agentes sociais preocupações e temeridades quanto aos cenários futuros e desdobramentos obscuros. Tal investidura nestes Biomas objetiva implementar uma política de dominação capitalista estatal privatista, promovendo a monopolização do território e dos seus recursos naturais.

O clima é por excelência o grande legado, em especial para esses dois Biomas, indicando que qualquer mudança nos padrões que conferem umidade e temperatura poderá desencadear processos irreversíveis, principalmente para o Cerrado em sua franca expansão como fronteira agrícola, território de novas oportunidades com o deslocamento de capital do tradicional eixo sul e sudeste, somando à crescente concentração populacional, o que gera o acúmulo de riqueza e a consequente degradação humana e ambiental.

Considerando que dentre as milhares de páginas dos sombrios relatórios do IPCC e avaliações técnicas e científicas, estão as reservadas para os biomas brasileiros, os indícios dão conta para mudanças profundas no padrão climático, resultando em modificações no volume e distribuição das chuvas. É o fantasma da savanização da Amazônia. Consequentemente o Cerrado tenderá para o clima semiárido, e o hoje semiárido nordestino, passará a ter um clima desértico. Como consequência de tudo isto, diminuição na produção agrícola e pecuária, aumento da fome e miserabilidade, o que implica em riscos de doenças, endemias e epidemias, além da diminuição drástica da biodiversidade.

Antecipando-se a isto, tem-se na atualidade profundas alterações dos índices das reservas hídricas no ambiente subterrâneo, ou seja, é a esponja armazenadora de água que está debaixo de nosso pés, especificamente para região a do sudeste de Goiás que entre as décadas de 1961 a 1995, se comparado às de 1930 a 1960, indicando diminuição drástica do nível da água e profundo desequilíbrio no ciclo hidrológico.

É nesse ambiente de Cerrado, ecossistema marginalizado pelas leis ambientais e constitucionais e pelos programas governamentais, que vários projetos de empreendimentos diversos estão em fase de estudo, de licenciamento e de implantação, especialmente para a geração de energia elétrica. Essa intervenção territorial, sustentada pelo capital monopolista estatal privatista, tem contribuído para a transformação drástica da paisagem natural e espacial, com acentuada mobilização de milhares de famílias estritamente de agricultores, que sempre trabalharam em regime familiar e que contribuem com enorme quantidade de produção de alimentos para os centros urbanos e metrópoles superpopulosas próximas, e de outras regiões, além do entorno de Brasília e de Goiânia, core region do Cerrado.

Vale destacar que tal região se apresenta com profundo desequilíbrio socioambiental pela falta de ordenamento e planejamento do uso intensivo e extensivo do solo, quer pelo adensamento populacional dos centros urbanos, quer pela abertura e intensificação das fronteiras agrícolas para a produção em larga escala comercial e de produtos com fins bioenergéticos. Essas atividades ocupam preferencialmente os topos das chapadas sedimentares e platôs dos chapadões cristalinos, induzindo o escoamento e carreamento para as cabeceiras dos rios formadores das principais bacias hidrográficas, grande quantidade de sedimentos erosivos, corretivos e nutrientes químicos, além dos danosos agrotóxicos e lançamentos de efluentes químicos e esgoto sanitário in natura, potencializados pelos desmatamentos incontroláveis que exercem enorme pressão nos ambientes de nascentes e de veredas: que eram até então (?) oásis do Cerrado brasileiro.

Dessa forma, esse apontamento tem por objetivo recuperar a discussão sobre os riscos da ocupação da Região Amazônica e por efeito, construir cenários futuros de derivações antrópicas negativas para os demais biomas interdependentes como o Cerrado, influenciado pela distribuição de chuvas que segue a lógica dos que circundam a Amazônia.

É nesse contexto de embates que urge a necessidade da produção cada vez maior em volume de alimentos, para suprir a população brasileira e, ademais, devendo os excedentes serem exportados para equalizar a balança comercial. Capítulo importante dessa reflexão insere a defesa inquestionável da propriedade familiar e camponesa, a esta cabendo a magnífica missão da policultura, da manutenção secular no campo do portador de bens e valores materiais e imateriais: “o Homem Cerradeiro” que integrado da cadeia produtiva agropecuária gera milhões de empregos, recolhe vultosas cifras aos cofres públicos, contribui magnificamente com o Produto Interno Bruto, isto posto, reforça a prioridade dos usos da água e do solo para as funções na agricultura.

Que no embate das prioridades dos usos da água e da terra que se torna inquestionável o direcionamento para a produção de alimentos em quantidade e qualidade. Em contraposição, para a geração de energia elétrica, existem fontes alternativas renováveis e inesgotáveis, como a solar e a eólica (ver Atlas Eólico de Minas/CEMIG).

As dezenas de empreendimentos hidrelétricos existentes, considerando todas as formas e modalidades de geração juntas – UHEs/AHEs/PCHs, em funcionamento na Bacia Hidrográfica do Rio Paranaíba e Alto Tocantins, inundaram e delimitaram com as APPs – em torno de um milhão de hectares de terras férteis, impactando o meio ambiente, a produção agrícola e mobilizando milhares de famílias produtoras rurais, mesmo assim, dentro do Bioma de Cerrado, ainda busca-se o aproveitamento do potencial hidrelétrico dos mananciais da bacia do alto Paraná, do alto e médio Araguaia, do alto do Tocantins.

Na efervescência das discussões sobre a gestão dos recursos hídricos frente à escassez das águas, com as devidas limitações de acesso e usos, que suscita mais um gerador de impacto socioambiental e territorial no Cerrado, que são as construções de mais hidrelétricas, sustentadas pelo modelo quase monolítico e vulnerável da matriz energética brasileira por força hidráulica que, por sua vez, neste ambiente de planalto, avolumam vultosos investimentos em dezenas de empreendimentos dessa natureza. Juntamente à expansão da cana-de-açúcar, são as duas opções de fonte energética renovável do Cerrado, voltadas para o Brasil e para o mundo: um grande equívoco histórico.

Em contraponto, os argumentos técnicos e científicos reforçam a priorização do uso da água para a irrigação e para os demais usos múltiplos em detrimento da geração de energia elétrica, pois são robustas a mudanças que virão para as fontes alternativas limpas e inesgotáveis, alterando, profundamente, a matriz energética brasileira, saindo da condição quase monolítica das hidrelétricas para uma Matriz Híbrida, incluindo numa mesma planta de hidroeletricidade a solar fotovoltaica e a eólica com aerogeradores, ou seja: a) junto às hidrelétricas e aproveitando a infraestrutura instalada nestas, pode-se fazer a sobreposição de painéis solares fotovoltaicas numa base flutuante sobre o lago, com alguns milhares de metros quadrados de painéis; b) dezenas de torres com aerogeradores instalados nas elevações ilhadas dentro e nas bordas dos lagos das hidrelétricas, mantendo o equilíbrio da potência de geração e da capacidade segura de energia firme; c) implica em transferência da potência de geração hídrica instalada para a solar diurna e eólica complementar; d) a implantação híbrida de geração de energia nas hidrelétricas do Cerrado, se justifica pois a cada ano, as condições climáticas – regime e distribuição hídrica –  tornam-se instáveis, saindo gradativamente do padrão pluviométrico histórico, para as alterações irregulares crescentes; e) a demanda por água é crescente, em parte pelo aumento da população, em parte pelo aumento do sistema produtivo rural/industrial e urbano, para uma oferta estacionária, ou seja, a entrada da água pelo ciclo hidrológico é permanente ou com possíveis reduções pelas variações climáticas sazonais e globais; f) quanto ao custo e origem dos investimentos financeiros para as adequações do sistema híbrido de geração de energia nas hidrelétricas já existentes nas Bacias hidrográficas do Cerrado, poderão ser de aportes do BNDES, do Sistema Eletrobras, Pró-Infra, Parcerias Público Privada e captação no mercado de investimentos (ações, aplicações de fundos e outros do sistema financeiro nacional e internacional); g) existem discussões semelhantes na Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas do Senado Federal, em especial as Audiências Públicas Interativas: como o Debate da política californiana para aumento da participação da energia solar na geração até 2030, em que consta um histórico da sua elaboração e os desafios na sua implementação, especialmente quanto aos custos, aos subsídios e às tecnologias empregadas para financiar a Geração Diversificada de Energia e o ProGD da ANEEL.

Diante das argumentações apresentadas sugere-se que tais medidas sejam estudas e viabilizadas para a devida implantação mediata nas usinas hidrelétricas controladas pelo capital privado e de estatais federais e estaduais (Furnas, Eletrobrás, Cemig, Celg etc) facilitando, as alterações positivas de geração, aliviando a pressão social e do setor produtivo em competição conflitante pelos usos da água e da terra.

P/S: O CBH do Rio Paranaíba acaba de divulgar a realização, por força da legislação dos EIBHs, de audiências públicas para o Licenciamento de quatro PCHs, pásmem! no Rio Meia Ponte, que corta Goiânia: a Capital de Goiás. Porque não trocar os insignificantes megaWatts gerados supostamente pelo esgotamento sanitário lançados a montante das hidrelétricas, pela geração dos painéis fotovoltaicos instalados nas coberturas, telhados e fachadas dos condomínios residenciais de Goiânia, tornando-se fonte de renda para estes, oportunidades de negócios e com geração de centenas de empregos.

Professor Laurindo Elias Pedrosa
Ms Análise e Plan. Socioambiental
Presidente da Assoc. da Bacia Hidr. do Rio Veríssimo –

Pró-COBAHI-Rio Veríssimo

Perito “Ad hoc” Crimes Ambientais DGPC-SPJGO 9ª DRP

Parecerista Técnico Ambiental Convênio UFG/CaC/PJ/MPGO
Publicações dentre outras: Cerrado no Contexto das
Transformações Socioambientais, revista Com Ciência/SBPC,
n. 105, fevereiro/2009; Cerrado: História, Cultura,
Potencialidades e Desafios, coordenador do
Núcleo central da publicação especial “ciência e
cultura/SBPC” vol. 63, n.3, SP julho/2011.
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