A PEC do Teto e a destruição de direitos conquistados historicamente

No dia 15 de junho de 2016, foi protocolada na Câmara dos Deputados uma Proposta de Emenda Constitucional – PEC 241 – de autoria do Poder Executivo, sob a presidência interina de Michel Temer. Esta proposta vem sendo conhecida também como PEC do Teto ou PEC da Desigualdade e tem como finalidade instituir um Novo Regime Fiscal, mediante a alteração de disposições constitucionais transitórias.

A PEC 241 foi protocolada em regime de tramitação especial, sendo aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania no dia 06 de outubro de 2016. Seguiu para votação na 252ª Sessão Deliberativa Extraordinária, realizada em 10 de outubro de 2016, e aprovada em primeiro turno com 353 votos favoráveis e 17 contrários. Logo, seguiu para trâmite em uma Comissão Especial, cuja aprovação se deu no dia 18 de outubro de 2016. Na sequência, foi aprovada integralmente em segundo turno, no dia 26 de outubro de 2016, com 325 votos a favor, 89 contrários e uma abstenção. Foi remetida ao Senado, com cuja denominação passa a ser de PEC 55.

A aprovação maciça em primeiro e segundo turnos na Câmara marca definitivamente as intenções governistas para o Brasil ao interferir diretamente na Constituição Federal com o objetivo de realizar limitação orçamentária dos “gastos públicos”, ou seja, limitação de investimentos públicos por 20 anos, com possibilidade de revisão 10 anos após sua aprovação.

Os artigos que compõem a atual PEC 55 (antiga PEC 241), pregam a fixação das despesas primárias para o Poder Executivo, Poder Judiciário, Poder Legislativo, inclusive, Tribunal de Contas da União, Ministério Público da União e Defensoria Pública da União de 2017 em diante, conforme valores constantes nas Leis de Diretrizes Orçamentárias de 2016 e correções previstas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do ano anterior. A exceção se dá para os Ministérios da Educação e da Saúde, cujos orçamentos serão fixados a partir de 2018, após manifestações populares contrárias em todo o país.

Não estamos questionando a importância de conter despesas desnecessárias por parte do Poder Público, mas sim, quais despesas serão limitadas sem a realização de estudos mais aprofundados. Questionamos também que setores serão mais impactados com esse novo regime fiscal.

Inicialmente, não há dúvidas de que essa PEC será aprovada pelo Congresso Nacional e que, em breve, viveremos os malefícios das medidas que a mesma impõe ao povo brasileiro. Talvez, nos próximos 3 ou 4 anos, não sintamos tanto sua rigidez; mas a partir de 2020, não tenham dúvidas de que passaremos por um processo de desaceleração do consumo interno, impactos sobre pequenas empresas de capital local, desemprego e desmantelamento dos setores de atendimento público, como previdência, saúde, educação, desenvolvimento agrário etc.

Diante de tal situação, podemos citar apenas dois exemplos de como essa limitação orçamentária poderá impactar os investimentos destinados à população pobre do Brasil, que demanda por serviços públicos.

O Ministério de Educação (MEC) e suas entidades, autarquias e fundações têm disponíveis para o ano de 2016 a cifra de R$ 96.555.009.376 bilhões. O Ministério da Saúde e demais órgãos têm um orçamento de R$ 109.486.128.284 bilhões. Entretanto, esses dois ministérios terão esses mesmos valores disponibilizados para 2018, acrescidos de correções do IPCA, cujas bases de cálculo serão do ano de 2017. Nos demais órgãos, os cortes iniciarão em 2017.

De que forma esse Novo Regimento Fiscal impactará a vida de todos nós que necessitamos dos serviços públicos?

A priori, a PEC do Teto fere a implementação de políticas públicas que atendem a maioria dos 206.081.432 brasileiros (população estimada em 01 de julho de 2016, pelo IBGE). Considerando que a população cresce diariamente e, a cada dia, mais pessoas passam a depender de atendimento público nas áreas da saúde, educação, previdência e cultura, a situação que se configura é triste e sem perspectivas de melhorias.

Em termos de educação pública, isso significa que a cada início de ano letivo haverá o aumento de alunos matriculados e frequentes nas escolas e universidades públicas. Esse orçamento engessado, sem perspectiva de aumento para os próximos anos, redundará em uma falência na oferta deste serviço público à população brasileira, resultando na diminuição de anos de escolaridade, aumento da população sem acesso à escola, diminuição da  quantidade de profissionais formados e redução de pesquisas realizadas nos laboratórios das universidades federais brasileiras. Isso culminará na interrupção de pesquisas, como desenvolvimento da vacina de combate à dengue, investigação das consequências do zika vírus sobre mulheres grávidas, as limitações da microcefalia, uso de células-tronco, mal de Alzheimer, dentre outras.

O impacto ainda não é só administrativo e orçamentário. Vai muito além, pois é social. Nesse sentido, as universidades e institutos federais, a fim de custearem suas despesas, terão que reduzir a quantidade de vagas ofertadas (Portaria Normativa 020/2016, de 13 de outubro de 2016), assim como fazer cortes de bolsas de estudos e pesquisas, permanência, moradia estudantil,  alimentação e outros serviços, podendo inclusive fechar cursos superiores e técnicos, laboratórios e restaurantes universitários. Enfrentaremos um processo de decréscimo quantitativo e, principalmente, qualitativo no ensino público, não somente na Educação de Básica, mas na Superior também, no âmbito da graduação e Pós-graduação. O futuro do Brasil, no que se refere à produção de ciência e conhecimento científico e tecnológico, não é muito animador.

No caso da formação de profissionais para o setor de saúde, teremos um quadro reduzido de médicos, dentistas, enfermeiros e psicólogos, além da redução de investimentos na realização de exames gratuitos, diminuição de recursos para o custeio do tratamento do câncer e doenças crônicas e graves (hipertensão, diabetes, AIDS e outras) para os próximos 20 anos. O que dizer? Com a quase total falência do Sistema Único de Saúde (SUS), hospitais, postos de saúde e prontos-socorros serão fechados. A consequência será a morte de milhares de brasileiros por falta de atendimento de saúde.

Na educação pública básica, a situação também se apresentará de forma grave. Com o aumento da quantidade de alunos em idade escolar e crescimento das demandas por vagas, não haverá recursos financeiros suficientes para alfabetização, alimentação escolar, material didático (custeado com recursos federais destinados a estados e municípios), dentre outros. Se associarmos a questão de que são quase 11,8 milhões de desempregados sem condições de pagar escola particular e plano de saúde, tanto o setor de educação quanto o de saúde pública continuará a ter um aumento nas demandas. Logo, essa situação de desemprego estrutural no Brasil, agravada pela crise econômica e política, não será corrigida pela PEC 241 (agora PEC 55); ao contrário, será agravada com a limitação dos investimentos públicos em setores essenciais à classe dos trabalhadores.

A apreensão com essa PEC se dá diante de um quadro em que se reduz os recursos investidos em áreas prioritárias, como saúde e educação, culminando no agravamento das desigualdades sociais, pois teremos mais trabalhadores excluídos do acesso a esses serviços. Isso resultará em mais cidadãos na fila de espera do SUS; mais pessoas morrendo por falta de insulina, de medicamentos de controle da pressão arterial e de radioterapia e quimioterapia para combater o câncer. Enfim, serão mais brasileiros e brasileiras morrendo por falta de atendimento na saúde pública.

Ainda sobre os impactos desta proposta, precisamos dizer que teremos mais cidadãos com baixo grau de instrução escolar, alijado do acesso à escola pública de qualidade, menos cursos profissionalizantes, universidades federais fechando cursos, menos ciência e pesquisas, mais desemprego, menos cidadania e formação política e mais exclusão social. Essa situação levará o Brasil a voltar a ocupar as primeiras posições no cenário mundial em desigualdades sociais e concentração de renda, problemas que haviam sofrido reduções nas duas últimas décadas.

Essa é a realidade desanimadora que enfrentaremos nos próximos 20 anos e cada município brasileiro, cada cidadão que precisa do SUS, da escola pública, da universidade pública e de trabalho para manter a sobrevivência de suas famílias, sofrerá as consequências advindas da implementação dessa Proposta de Emenda Constitucional.

Essa PEC é apenas o começo de um futuro sombrio e dolorido para a Nação brasileira. Nos próximos meses, sofreremos a retirada de outros direitos conquistados historicamente através da luta de milhares de brasileiros que precisam de um Estado que desenvolva políticas públicas sociais e não só econômicas destinadas ao capital financeiro.

Finalizo dizendo que Eu, enquanto educadora, não poderia deixar de tentar compreender os desdobramentos desse momento triste e tão conturbado em nosso país. Tudo isso não é só crise econômica exclusiva do Brasil, pois o cenário mundial está também tomado por uma crise econômica e financeira. Não é só culpa da corrupção e dos desmandos de uns e outros. Mais do que foi dito, afirmo que é a luta encarniçada por parte uma elite política coronelista, conservadora, vaidosa para manter e implementar uma política financeira seletiva e desigual no Brasil, materializada em um golpe político que levou ao rompimento da Democracia, construída historicamente por muitos, inclusive por cidadãos que já morreram. Para consolidação de tudo isso, retira-se direitos de nós cidadãos, cidadãs, estudantes, crianças, aposentados, trabalhadores e trabalhadoras brasileiras pelos próximos 20 anos.


Dra. Magda Valéria da Silva
Professora Doutora na U.A.E. Instituto de Geografia,
Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão.

Revisão Textual: Profª Dra. Gisele Alves

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